POLÍTICA
Vereadores de PT e PL têm mandatos cassados por trocar votos por óculos no Ceará

A Justiça Eleitoral do Ceará cassou os mandatos de três vereadores e dois suplentes em Limoeiro do Norte (CE), após acatar uma denúncia de distribuição de óculos de grau e consultas oftalmológicas em troca de votos. Os vereadores eleitos Cabo Rubem e Lauro Machado, do PL, e Professor Márcio, do PT, e os suplentes Lívia Meneses Maia, do PSB, e Vileimar Ivo Maia, conhecido como Mazinho Maia ou Mazinho da Net, do PSD, são apontados como beneficiários da prática de abuso de poder econômico.
A sentença foi proferida nesta terça-feira, 14, pela juíza Marília Ferreira de Souza Varella Barca, da 29ª Zona Eleitoral, a partir de uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, elaborada pelo Ministério Público (MP) estadual. Conforme a denúncia do MP, o esquema ocorreria parceria com uma ótica da cidade cearense, durante o período eleitoral de 2024.
Na investigação, uma mulher que portava várias armações de óculos, materiais de campanha e um caderno com nomes de eleitores e dos candidatos foi presa em flagrante na véspera do dia da eleição. Além disso, um celular apreendido durante a ação policial continha mensagens de WhatsApp com diversos eleitores que confirmaram as condutas dos vereadores. Parte dessas conversas foi revelada na sentença, à qual o Terra obteve acesso.
Em um dos diálogos, uma eleitora confirma se receberá a armação de óculos caso o candidato apoiado não fosse eleito. Em outra mensagem, uma eleitora oferece o próprio voto e também o de sua filha. “Eu e ela não temos voto certo para ninguém. Se ele puder ajudar nós duas dá certo”. Uma terceira eleitora pede duas armações. “Sim, estamos precisando de dois. Eu e meu esposo. Os votos são garantidos”, diz.
A sentença também revela movimentações fiscais da ótica. “Um aumento astronômico nas vendas no mês que antecede as eleições” sem emissão correspondente de saída durante o período eleitoral, afirma o documento.
“Em todas as notas emitidas há a indicação do grau da lente, o que denota que as lentes foram adquiridas para um cliente específico e não para estoque fixo da ótica”, destaca a sentença.
Na ação, as defesas dos citados sustentaram que não existe prova de envolvimento na entrega de óculos a eleitores em troca de apoio político.
Para a juíza, no entanto, ficou demonstrado “de maneira bastante contundente a existência de um esquema articulado de distribuição gratuita de consultas oftalmológicas e óculos de grau em troca de votos”. “Houve uma clara tentativa de conferir uma aparência de licitude à aquisição dos óculos por meio do fornecimento de recibos genéricos às testemunhas, para inúmeros pagamentos em espécie”, conclui, ao determinar a cassação dos mandatos e a anulação dos votos obtidos.
A decisão ainda cabe recurso.
Os parlamentares e os suplentes se manifestaram após a cassação. Todos ressaltaram que a decisão é em primeira instância e que apresentarão recurso, além de afirmarem respeitar as instituições democráticas e a Justiça.
Professor Marcio, eleito com 1.110 votos em 2024, emitiu nota em que destacou sua “trajetória pautada pela defesa da educação pública, da ética e da democracia”. “Confio plenamente que, ao longo do devido processo legal, a verdade prevalecerá. Enquanto isto, continuarei exercendo plenamente o mandato de vereador”, diz.
Em seu pronunciamento, na sessão da Câmara de Vereadores desta quinta-feira, 16, o vereador afirmou ter “a convicção da minha inocência, e certeza absoluta de que como quem me colocou aqui foi o povo, eu tenho certeza que sairei pelas mãos do povo. Não por decisão judicial”.
Lauro Machado, eleito com 959 votos, afirma não concordar “com o resultado dessa ação” e cita ter “fé em Deus e confiança na Justiça de que a verdade prevalecerá, e que essa decisão será revista pelo Tribunal Regional Eleitoral”.
Machado chorou ao falar na sessão da Câmara desta quinta. “Tomei conhecimento primeiro pelas redes sociais”, alegou. “Quem tiver acesso e for ler o processo vai ver que não houve nada demais. Eu confio plenamente na Justiça ainda”.
Cabo Rubem, eleito por quociente eleitoral com 1.278 votos, também emitiu nota em que diz discordar “do teor dessa decisão” e acreditar “firmemente” na reversão pelo Tribunal Regional Eleitoral”. “Sigo com a consciência tranquila, o coração sereno e a mesma determinação de sempre para continuar trabalhando pelo povo que me confiou esta missão”.
Em seu pronunciamento no plenário da Câmara, nesta quinta, disse que foi pego de surpresa com a cassação. “No processo não tem uma prova sequer” contra os três vereadores, afirma. “Você ser acusado de algo que não fez é ruim. Imagina você ser condenado por algo que você não fez”, concluiu.
Ao Terra, Lívia Maia, que obteve 1.182 votos, disse que sempre pautou sua trajetória pública “na transparência, ética e compromisso com o povo de Limoeiro do Norte, especialmente na defesa das mulheres, dos animais e das pessoas em situação de vulnerabilidade”. Ela reiterou que seguirá com serenidade e confiança, apresentando todos os esclarecimentos necessários e provando minha inocência frente às acusações que me foram atribuídas”.
A reportagem não conseguiu contato com Mazinho da Net, que em 2024 obteve 300 votos. A uma rádio de Limoeiro do Norte, ele afirmou não ter sido notificado da decisão, mas ainda assim comentou o caso. “É uma coisa tão simples de resolver quando a polícia quer resolver. Mas infelizmente nesse país o ‘pau só tora’ no lado mais fraco. Você compara as outras pessoas, os outros candidatos que foram eleitos e os que não foram: quantos votos eles tiraram? (…) Se eu tivesse dado óculos, que nem dizem aí, que nem no processo diz, pergunta se eu tinha tirado só 300 votos. Os outros tiraram mais de mil votos”, disse.
