Pesquisadora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e doutora pela Universidade de São Paulo, Léia Teixeira Lacerda dedicou boa parte da vida aos estudos relativos à população indígena e explica que entre os povos tradicionalmente habitantes do estado e os que têm ressurgido e/ou identificado como índios estão os Atikum, Guarani, Kaiowá e Ñãndeva, Guató, Kadiwéu, Kamba, Kinikinawa, Ofaié, Terena e Xamacoco.
Segundo a Léia, os Guarani – Kaiowá tem uma população superior a 25 mil pessoas, que vivem em vinte e seis terras indígenas, na região de fronteira Brasil/Paraguai. Já os Guató possuem aldeia na região do Pantanal, com cerca de 400 pessoas. Os Kadiwéu são cerca de 1.400 pessoas na maior área indígena fora da Amazônia Legal (538.536 hectares), localizada na Serra da Bodoquena.
Os Ofaié tem uma população de cerca de 58 pessoas, alocadas em uma reserva na região de fronteira entre Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. Da etnia Terena, são mais de 19 mil pessoas, concentrados na região central do Estado; Kinikinawa, em torno de 200 pessoas que vivem na área do povo Kadiwéu e lutam pelo reconhecimento de sua identidade étnica; Camba, em torno de 2 mil pessoas que migraram da Bolívia no início do século passado e vivem em Corumbá e Atikum, em torno de 80 indígenas que migraram de Pernambuco, na primeira metade do século passado e que ainda não são identificados como população indígena pela órgãos competentes.
Ainda conforme a pesquisadora, a maioria desses indígenas vive a margem da sociedade, sem assistência, nas periferias das cidades do estado.
Luta por reconhecimento
Em meio a falta de ‘reconhecimento’, os povos tentam manter costumes e tradições. Em um artigo sobre ‘Trajetórias diaspóricas indígenas no tempo presente: terras e territórios Atikum, Kamba e Kinikinau em Mato Grosso (do Sul)’, o doutor em história pela Universidade Federal de Goiás, Giovani José da Silva, revela parte dessas dificuldades.
No texto, o autor refere-se, por exemplo, aos Atikum, que se concentram no município de Nioaque, em terras da reserva indígena Terena (aldeias Água Branca, Brejão, Cabeceira e Taboquinha).
Conforme Silva, ali vivem pouco mais de 100 indivíduos Atikum, liderados até recentemente por Aliano José Vicente (falecido em 2018), um dos primeiros indígenas dessa etnia a chegar ao estado, em meados dos anos 1980. Eles vivem, sobretudo, da agricultura e do trabalho em fazendas e são chamados, pejorativamente, por indígenas Terena e não indígenas de “terra seca”, por serem de pele escura e cabelos encaracolados.
Já sobre os Camba, Silva relata que são “desqualificados regionalmente como índios sem-terra’, ‘bolivianos’, ‘campesinos’ ou, ainda, ‘bugres’, o que chama a atenção é que se discutiu muito, até hoje, se eles são indígenas de fato”.
Com relação aos Kinikinau, o autor pontua que foram dados como extintos a partir da segunda metade do século XX, mas iniciaram uma intensa mobilização sociopolítica no final dos anos 1990, ainda em curso, reivindicando uma etnicidade própria e distinta dos indígenas Terena, com quem foram confundidos durante muito tempo e de quem são parentes linguísticos e culturais.
Atualmente, os Kinikinau vivem, sobretudo, de atividades agrícolas e artesanais. Os mais velhos ainda falam cotidianamente a língua, filiada à família linguística Aruak, e a maioria, composta por crianças, jovens e adultos, comunica-se apenas em língua portuguesa. A autodenominação do grupo é Koinukunôen, que em seu idioma materno quer dizer “índio guerreiro”, em contraposição a uma identidade Terena impingida a eles através dos tempos.
Há notícias ainda de Kinikinau residindo também em terras dos Terena, nas aldeias Bananal, Limão Verde (Aquidauana), Cachoeirinha, Lalima (Miranda), Água Branca, Taboquinha, Cabeceira e Brejão (Nioaque), dentre outras. Além disso, há uma parte do grupo nas chamadas “retomadas” de terras, entre Aquidauana e Miranda, lutando por territórios outrora ocupados pelos ancestrais.
Resistência
Para Léia Teixeira Lacerda, sobreviver a todo o custo é o que tem feito indígenas de diferentes etnias distribuídas por todo o país. Essa sobrevivência significou, também, organizar celebrações, mesmo quando estavam sob perseguição ou proibidos de revelar quem eram. Entretanto, os laços de pertencimento ao grupo étnico e as práticas culturais mantidas permitiram não apenas a sobrevivência física, mas, especialmente, a sociocultural.